Na história dos cultos afro-brasileiros existe uma categoria de pessoas que são determinadas ou classificadas de abian – uma palavra de origem yorubá que quer dizer Abi= “aquele que” e An= seria uma contração de onã, que quer dizer “caminho”. A junção destas duas palavras formou o termo abian, que quer dizer “aquele que começa um novo caminho”.
Ou seja, o abian é aquele que está começando um novo caminho, uma nova vida espiritual. Esse é um momento de uma importância, pois, é nesse período que o noviço ou recém chegado tem contato com os já iniciados passando a observar os vários comportamentos e desempenhar também várias tarefas, sem exercer um maior envolvimento com a religião.
Desta forma, entendemos que abian é um rito de passagem presente no cotidiano da religião de matriz africana, marcados por cerimônias que dentro do contexto representam igualmente a progressiva aceitação do iniciado e sua participação na comunidade na qual está inserido, considerando tanto o seu valor individual quanto o coletivo.
Assim, é importante ressaltar as formas organizativas das sociedades africanas e como seu transplante pelo atlântico de forma escravizada enraizou-se na cultura dos povos negros no Brasil. Com isso, teremos a oportunidade de entender as formas de organização, mobilização e resistência dessa cultura nos seus variados aspectos sociais, culturais e educativos.
Por isso, é importante de buscar na essência dessas culturas “primitivas” o significado histórico de suas organizações, de sua vida social, cultural e do seu processo educativo, para que de forma reflexiva possamos construir uma proposta de transformação social. E ainda o passado dessas culturas, atualizando-as a sua contemporaneidade e solidificando novas significações culturais e educativas tendo como foco uma passagem afirmativa para um futuro de igualdade racial.
Diante disto, buscamos no rito de passagem de uma das mais antigas culturas africanas no mundo que é o candomblé, um significado do seu processo de iniciação abian, fazendo uma análise comparativa com o processo de ações afirmativas como fonte de educar para a igualdade racial na sociedade atual. No entanto, o processo de iniciação resulta na compreensão, no conhecimento e na prática no seu ciclo de passagem, levando a uma mudança de status e ao mesmo tempo trabalhando a personalidade e a desconstrução de padrões pré-estabelecidos e na construção de novos padrões que nortearão a sua conduta e existência.
Os ritos de passagem servem como base e fonte de inspiração para uma análise reflexiva da sociedade atual, visto que, torna-se um objeto de variadas abordagens teóricas e possibilita descortinar um panorama muito mais amplo. Pois, suas diversas abordagens teóricas associadas às ações afirmativas como forma de educar para a igualdade racial demonstram a vitalidade da proposta como ferramenta conceitual para nos ajudar a compreender mais determinada sociedade, seus valores pensados e suas vivências.
Desta maneira, o rito de passagem marca simplesmente a culminância do processo de cerimônia de iniciação, do teor da jornada iniciativa como sujeito de transformação individual e do seu processo de reconstrução da sociedade como forma de reparar prejuízos causados a populações excluídas do processo de desenvolvimento educacional, cultural, social e econômico.
É neste contexto que fazemos uma relação entre abian, um ritual de passagem para ações afirmativas que visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado e promover a educação para a igualdade racial. Essa relação dar-se através de um processo histórico que se inicia no século XVI, quando da cruzada forçada de milhões de negros pelos colonizadores para o Brasil, para trabalhar como escravos.
Durante mais de 350 anos, a mão-de-obra escrava constituiu a principal força de trabalho no país e a base de toda atividade econômica. Mesmo após a abolição da escravidão os negros encontram até hoje no século XXI, dificuldade para integrar a sociedade brasileira, visto que, as reformas agrária e educacional não ocorreram e o acesso dos negros a escola e terra tornou-se bastante difícil.
Compreendendo o significado do rito abian como aquele que tem que nascer de novo, pode-se traçar um paralelo com a história de organização da sociedade brasileira. Uma sociedade que se acostumou a superar obstáculos, a nascer e renascer para criar um novo cenário, por muito tempo escravocrata, dolorosa e inconseqüente.
Vale ressaltar que a organização dessas sociedades africanas era inicialmente matriarcal e que se prolonga até os dias de hoje em algumas tribos do imenso continente africano. Esse ponto é importante e serve como reflexão da sociedade atual. Esta não se fundamenta no processo de inclusão tanto de gênero quanto de raça.
Isso implica buscar uma análise, diante do propósito de pesquisa, que foca numa confluência de reflexões sobre o não aproveitamento das experiências de organizações sociais de outras culturas, provocando assim, uma construção incompleta de sociedade por conta de uma dicotomia entre sociedade democrática e exclusão da população negra do desenvolvimento social, político, econômico e cultural. Neste sentido, é extremamente relevante conhecer a história da África para o mundo e para a compreensão da sociedade brasileira.
Devemos pensar que, a história da humanidade tem seu inicio no continente africano, é o que aponta as mais modernas pesquisas antropológicas e arqueológicas, sendo um ponto central a saga dos povos africanos em superar os obstáculos hostis e sua forte ligação com a natureza “criando sociedades resistentes capazes de no decorrer do tempo, suportar as agressões vindas das regiões mais favorecidas”. (SOUZA, 2008, P. 15)
Com essa perspectiva, é salutar uma reflexão critica como forma de compreender o quanto é importante os estudos sobre a África nas escolas brasileiras e especificamente nas escolas do Estado de Sergipe.
Um fator importante é a história cultural de matriz africana que traz marcas aprofundadas na formação e no desenvolvimento da sociedade brasileira como forma indelével da nossa identidade. Por isso, a necessidade de estudar a África e inserir como um novo olhar no conhecimento. Não refletindo, uma visão eurocêntrica e utópica como nos primeiros momentos da descolonização, mas sim na aplicação de uma metodologia diversificada e critica da realidade.
Diante disto, assinalamos como elemento fundamental para o reconhecimento das necessidades históricas da população negra a implementação da Lei 10.639/03, que obriga todos os níveis de ensino ao “estudo da história da África, dos africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra e do negro na formação da identidade nacional.” (MUNANGA, 2006, P. 25). Assim, estabelecemos a Lei como instrumento de ligação entre um processo comparativo do Abian – um ritual de passagem para as ações afirmativas e a educação para a igualdade racial.
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