Uma interessante cerimônia acontece todas as semanas, na África, para o Orixá Ògún-Igbó-Igbó, na pequena aldeia de Ishede, em Holi, região de floresta úmida situada exatamente na fronteira da república Popular do Benin (antigo Daomé) com a Nigéria.
Trata-se de uma típica semana Yorubá, cujos dias são dedicados sucessivamente a Exú, Ogun, Xangô e Oxalá.
Ishede permaneceu muito tempo isolado do mundo exterior, em função da natureza pantanosa do seu terreno, o que dificulta a construção de rodovias de acesso. Desta forma, esta aldeia tinha conservado até 40 anos atrás (quando foi realizado este ensaio fotográfico), os hábitos e os costumes religiosos dos antepassados, totalmente preservados das influências estrangeiras. Ishede era um excelente exemplo do que foram as cidades nagôs-yorubás antes da chegada dos missionários cristãos e mulçumanos e dos representantes do poder civilizatório.
O Alase (guardião do poder) de Ògún Igbó-Igbó detém, na ladeia, a posição de chefe tradicional. \estando sua autoridade fundamentada na força deste Orixá, o poder que ele possui é de características teocráticas, O Alase assiste e preside as cerimônias realizadas a cada semana Yorubá para homenagem a Ògún Igbó-Igbó.
O templo de Ògun Igbó-Igbó está localizado numa grande clareira da floresta, vizinha à aldeia. O santuário onde são venerados os ferros de Ògún, símbolos de seu poder, consiste em uma choupana redonda, de teto em forma cônica, precedida de um galpão cujo o telhado de palha é sustentado por pilastras de madeira esculpida. Ao lado do templo tem um pequeno cercado chamado Idomosun, onde são feitas as oferendas aos ancestrais dos participantes da cerimônia. Em outro cercado, em frente ao templo, guarda-se sob os cuidados de Yafero, o odundun, planta que acalma, conhecida no Brasil como Folha da Costa.
Dois outros Orixás também são abrigados em choupanas ou cabanas, sendo uma de forma cônica, que é o templo de Exú, a outra guarda os objetos sagrados de Oxóssi, o caçador. Existe ainda um abrigo que serve de "caserna" aos Egbenlas, os soldados de Ògún. Os tocadores de atabaques são instalados ao ar livre, ao lado do templo de Ògún.
Há ainda outros assentos em diversos lugares para os demais dignatários da cerimônia e, finalmente, para as mulheres que cantam para saudar, mas, que não entram em transe durante os rituais. O Alase também não entra em transe, este é um privilégio do sacerdote portador do título de Soba.
A manifestação da presença de Ògún é acompanhada pelas presenças de Odé e Exú, que incorporam respectivamente em Onisegun e Oluponan.
Uma mulher, Yafero, é encarregada de acalmar Ògún se ele se tornar muito violento. Ela participa de todas as danças do ritual.
No dia consagrado a Ògún, o chão da clareira é cuidadosamente varrido, os sacerdotes dos Orixás e os dignatórios chegam uns após os outros tomam assento nos lugares determinados pela tradição.
Depois de algum tempo de pausa, a orquestra composta de três atabaques entram em ação com seus cânticos e ritmos e os sacerdotes de Saba, Oxogun, Oluponan e Yafero, entram em transe e dançam em harmonia perfeita, uma espécie de quadrilha. Eles vão e vêm , saúdam os notáveis e pessoas presentes, Os egbenlas, soldados de Ògún, acompanham suas evoluções armados de facão.
Ao fim de um certo tempo, cada um dos participantes retorna a seu assento no lugar que lhes foi reservado, os atabaques param de tocar, os Orixás retornam aos seus templos e os sacerdotes depois voltam para confraternizar com todos.
Texto de Pierre Verger
*Publicado originalmente na revista Bric à Brac, IV, Brasília, 1990
Fotos sobre o texto podem ser vista no livro:Verger|Batiste - Dimensões de uma amizade.