No Terreiro do Pai-de-Santo Zé de Ogum, 46 anos, situado no município de Lauro de Freitas, arredores de Salvador (Bahia), a festa de seu santo é um acontecimento. O ritual prevê três dias inteiros de comemorações e sacrifícios preparatórios que exigem, entre outras coisas, a imolação de sete galos caboclos (vermelhos) em homenagem a Exu. Todas as carnes e miúdos dessas aves serão aproveitados nos banquetes sagrados. E o culto culmina sempre com o sacrifício de um boi inteiro, cujo sangue é levado num vaso especial para o Ibá – espécie de santuário onde fica o chamado carrego do santo, com potes, bacias e louças próprias. Um ritual que MANCHETE documentou com exclusividade.
O terreiro que sacrifica um boi a Ogum recebe 14 anos de paz garantida A Preparação para o dia do culto de Oxum exige daqueles que nele participam ativamente uma série de obrigações e penitências. Em certos casos, se requer até mesmo abstinência total – com recolhimento absoluto durante os 14 dias que procedem a cerimônia. Na simbologia dos fiéis de Ogum, o boi significa força, poder e decisão. Seu sacrifício tem assim, como efeito imediato, produzir a paz no terreiro e uma profunda concórdia entre seus frequentadores. Os iniciados explicam que basta um sacrifício para garantir esta paz por um período de 14 anos. Mas, no terreiro de Zé de Ogum, celebra-se a festa todos os anos. Porque os fiéis do Candomblé de Lauro de Freitas gostam da cerimônia.
Apesar das danças de guerra e dos cantos de combate, a festa de Ogum tem sempre por resultado essencial um só: paz.
Os fiéis chegam cedo para a cerimônia principal. Os primeiros convidados e alguns curiosos esperam a chegada do Alabê, espécie de chefe de orquestra, acompanhando de dois ajudantes que conduzem os atabaques. Enquanto os pontos vão crescendo, aproxima-se o momento da apresentação do grande sacerdote, Zé de Ogum, que descobriu sua vocação aos 18 anos, e teve a cabeça feita pela mãe-de-santo Paulina, num velho e tradicional terreiro da cidade de Cachoeira, situada no Recôncavo Baiano.
Recebeu então a incumbência de zelar, durante toda a vida, pelo culto de Ogum. Nessas ocasiões mais solenes, Zé de Ogum ostenta uma bonita batina amarela e tem no pescoço dezenas de colares de contas e miçangas de todos os tipos. Quando os pontos chegam ao auge, há sempre muitos manifestantes que recebem santos no terreiro e são levados a pessoas especialmente encarregadas de acalmá-las. O sacerdote sangra o boi com um golpe certeiro e o animal cai, enquanto as auxiliares correm para aparar o sangue numa grande tigela de barro. Este sangue, chamado de menga, vai depois para o santuário do terreiro – o Ibá –, onde é colocado sobre as otás, ou pedras sagradas.
Cantos, danças e banquetes fazem parte essencial do culto de Ogum. No calendário do candomblé, terça-feira é normalmente o dia da semana especialmente dedicado a este orixá. Sua cor preferida é o azul-escuro, sua comida é, normalmente, feijoada com inhame assado. Sua saudação é ogunhê e na indumentária entram sempre elementos de couraças e capangas. Porque se trata de um santo guerreiro.
Outro elemento essencial do culto de Ogum é Exu, que muitos leigos confundem erroneamente com o diabo. Os iniciados dos terreiros insistem sobre a necessidade de cair neste erro. Nos candomblés de Ogum existem quase sempre dois exus – o Xoroquê e o Tiriri. Este último é, na realidade, um orixá, e não um escravo, como querem alguns.
Durante a festa, a cozinha do terreiro está sempre cheia de filhas-de-santo sorridentes, que passam três dias e três noites servindo refeições aos convidados: os pratos são em geral feijão, farinha, carne assada ou ensopado. Os miúdos dos sete galos caboclos sacrificados antes do boi são cozidos no azeite-de-dendê e em seguida colocados em alguidares aos pés de Exu. O que resta destes galos é aproveitado para o xinxim, que pede ainda camarão e mais azeite. Este prato é o famoso Ixó de Exu, distribuído a todos os presentes durante o primeiro e o segundo dias da festa.
Exu fica assim inteiramente manso, assentado, e Ogum pode então dominar tudo. Começa aí o momento da grande feijoada a Ogum. Quatorze homens, especialmente escolhidos pelo pai-de-santo, e ajudados por alguns filhos-de-santo, preparam o barracão principal. Ao centro do barracão são colocadas três esteiras e três alás (lençóis) brancos, em volta dos quais se dispõem castiçais com velas acesas e jarros com flores. Chegam então os ogãs, alabês, ekedes, kotas, a Mãe-Pequena e outros grandes do candomblé. Há mulheres que trazem tabuleiros com pipocas: são flores para o velho orixá Omulu, amigos de Ogum.
As manifestações de Ogum são as mais variadas: pode parecer muito velho (daí sua amizade com Omulu). Mas pode ser também Ogum-Wari, que aparece empunhando uma espada e dançando como um guerreiro indomável. O essencial no entanto é que, qualquer que seja a manifestação predominante, o resultado final do culto será sempre a paz.