Maria Stella de Azevedo Santos - Iya Odé Kayode - nasceu no dia 2 de maio de 1925, na Ladeira do Ferrão, no Pelourinho, na cidade de Salvador. Seus pais se chamavam Thomazia de Azevedo e Esmeraldino Antino dos Santos. Como ficou órfã bem cedo, ela foi adotada por uma irmã de sua mãe (Archanjá de Azevedo), que era casada com José Carlos Fernandes, um abastado tabelião, proprietário de um cartório na Bahia. Formada em enfermagem, pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, com especialização em Saúde Pública, Stella exerceu a profissão durante trinta anos.
Ela foi iniciada no candomblé por Mãe Senhora, em setembro de 1939, quando tinha apenas catorze anos. Mãe Senhora foi a mãe religiosa de Mãe Stella e esta lhe acompanhou durante décadas, na casa-de-santo Ilê Axé Opô Afonjá, até 1967, ano em que a ialorixá faleceu. Ondina Valéria Pimentel (Mãezinha) assumiu, então, o Opô Afonjá e, um ano após sua morte (em 1976), Stella foi escolhida por Xangô e pelos búzios para ser a ialorixá do terreiro de São Gonçalo do Retiro. Nessa época, ela tinha quarenta e nove anos e havia se aposentado como enfermeira.
O terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, por sua vez, teve seu início com Mãe Aninha, que instaurou no Brasil a tradição dos doze Ministros de Xangô, osobás, seis à mão direita e seis à mão esquerda; cada obá com dois substitutos, o otum e o ossi. Após a morte de Mãe Aninha, Mãe Senhora (Dona Maria Bibiana do Espírito Santo) assumiu a direção do Axé, dando-lhe muito prestígio.
Mãe Stella viajou várias vezes para a África, visando aprofundar os conhecimentos sobre a cultura iorubá (que é, basicamente, oral), e conseguiu transformá-la em uma herança escrita. Isto possibilitou uma maior divulgação dos cultos africanos e da religião dos orixás, em todo o país. Na década de 1980, ela participou de vários congressos nacionais e internacionais sobre os cultos afro-brasileiros, escreveu artigos, foi entrevistada por jornais e revistas, deu conferências, e publicou dois livros - o primeiro deles, em co-autoria com Cléo Martins, sua filha, que se intitula. E daí aconteceu o encanto; e, o segundo, Meu tempo é agora. Stella foi a primeira ialorixá a escrever livros e artigos sobre sua religião. Ela combateu, ainda, o sincretismo entre o candomblé e o catolicismo, ressaltando que a fusão de elementos culturais distintos descaracterizava as duas religiões, e pre ju dicava a religião dos oprimidos.
Neste sentido, ela declarou:
O que nós pregamos, sempre, é o respeito mútuo. O importante é que não existam agressões. O entrosamento não tem muita importância porque são religiões paralelas. O importante, eu volto a afirmar, é que exista o respeito. Existem pessoas que freqüentam o terreiro e que vão à igreja, e isso é normal. Quando falei da questão do sincretismo, me referia ao fato de não se misturar as obrigações. Como, por exemplo, fazer sua obrigação para o orixá e ir à igreja porque sincretizou o orixá com um santo. Não sou contra a Igreja Católica e, sim, contra o sincretismo. A nossa maior preocupação é que o ser humano se sinta bem, se realize. Se isso acontece freqüentando as duas crenças, melhor para ele.
As atividades religiosas do Ilê Axé Opô Afonjá iniciam em setembro, começando com as Águas de Oxalá, e se estendem até a doação de presentes para Oxum e Iemanjá, ocasião em que as pessoas-de-santo depositam as oferendas no mar. Durante o culto, no terreiro, é revivido um ritual: o orixá que habita o iniciado no momento do transe se materializa e penetra no corpo dos participantes, através dos ritos de possessão. Neste sentido, Stella declara:
Quem pratica e crê, presencia e sente. A fé abarca a pessoa em sua totalidade. Não se chega a ela pelo intelecto. Também ao Orixá só se chega pelo coração... Nós não escolhemos o Orixá. é ele quem nos escolhe, o mesmo acontecendo, creio eu, em todos os tipos de sacerdócio e em todas as religiões. O importante é que o amor toma conta de nossas vidas.
Ao se identificar com o orixá, segundo a filosofia africana (na qual o candomblé se baseia), o iniciado ganhará uma nova identidade e, em decorrência disso, transformar-se-á noutra pessoa, com nome e comportamentos diferentes, tudo isso para ser ela mesma. Os orixás, que são entidades transcendentais, se comunicam com os fiéis por meio da mãe-de-santo. Tudo o que for feito no espaço sagrado do candomblé representa uma parte importante dos rituais: cozinhar para o santo, receber o santo, cuidar dos animais, dar banho em cabras e bodes, ou cuidar das oferendas.
A mãe-de-santo é a líder religiosa, cultural e social da comunidade, aquela que transmite conhecimentos aos seus auxiliares, dirige os cultos, garante a correção dos ritos, consagra sacerdotisas e sacerdotes, e possui autoridade suprema e absoluta para exercer qualquer função dentro do terreiro, tais como substituir o sacrificador, colher plantas sagradas ou consultar o oráculo.
Em 1981, Maria Stella criou o Museu Ohun Lailai, auxiliada pela psicóloga Vera Felicidade de Almeida Campos. Trata-se do primeiro museu aberto em uma casa de candomblé. Nele, entre tantos objetos, é possível se apreciar a roupa que ela colocou, quando assumiu o Opô Afonjá; vestimentas de ex-mães-de-santo; cadeiras e ferramentas usadas por orixás; antigas panelas utilizadas por filhas-de-santo para preparar comidas saborosas; uma pedra na qual se ralava milho (para se fazer pamonha, canjica, e outros pratos); folhas sagradas com seus nomes em iorubá; e atabaques. Em uma das salas do museu é possível observar, inclusive, as lembranças que são oferecidas aos orixás.
Em homenagem aos sessenta anos de iniciação de Mãe Stella, oInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em novembro de 1999, através do Ministério da Cul tu ra, tombou o Ilê Axé Opô Afonjá, declarando-o patrimônio cultural brasileiro.
Sacerdotisa de vanguarda, Mãe Stella é respeitada por suas idéias no País e no exterior, sendo uma referência em termos de diálogo inter-cultural e inter-religioso. Como defensora da cultura negra e cidadã do mundo, elarecebeu vários prêmios, homenagens e condecorações, dentre os quais o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (ao completar oitenta anos), o troféu Esso para escritores negros, a comenda Maria Quitéria, o troféu Clementina de Jesus, a comenda da Ordem do Cavaleiro (pelo Governo do Estado da Bahia), e a comenda do Mérito Cultural (pela Presidência da República). Na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), contra o racismo e a intolerância, ocorrida em Durban, em agosto de 2001, ela foi uma das mais fortes lideranças brasileiras. Em 2001, na condição de fomentadora de cultura, ganhou ainda o prêmio jornalístico Estadão.
Mãe Stella de Oxossi foi uma das primeiras vozes do candomblé a condenar o sincretismo, um sistema que associa as divindades africanas aos santos católicos, confundindo santos e orixás, ritos de candomblé e ritos cristãos, em decorrência da proibição dos cultos dos orixás, por parte dos colonizadores portugueses. Ela afirma que Iansã não é Santa Bárbara, recusa a idéia de que o candomblé é uma seita sincrética, e declara que ele possui parâmetros de iniciação e liturgia próprios, defendendo sua condição de religião brasileira. A religiosa tem lutado, também, pela democratização cultural, combatendo a discriminação dos negros, das mulheres, entre outras camadas sociais marginalizadas.
No que diz respeito ao candomblé, ela Stella declara:
Nós conseguimos impor a crença trazida pelos escravos, pelo respeito humano que sempre guiou nossas ações. Por isso, hoje, brancos e negros, pobres e ricos se unem aqui em busca de paz e equilíbrio. Somos a tradição e o novo.
Artistas de renome, a exemplo do compositor Dorival Caymmi, do pintor Caribé e do falecido escritor Jorge Amado, entre tantas personalidades ilustres, foram ou ainda são membros do Opô Afonjá e sempre reverenciaram Mãe Stella. Mãe Menininha do Gantois era, também, sua amiga e admiradora.
“Baluarte de sua fé, profundamente enraizada na tradição religiosa, consistente e disciplinada, Mãe Stella mudou a percepção que o negro iniciado tinha dele próprio, mudou a maneira de se perceber o candomblé, mostrou que não éramos uma ilha, conseguindo, assim, através da estruturação de atitudes de aceitação do que se é, do que se tem, do que se faz, transformar um terreiro de candomblé em um pólo de individualidade cultural, conseguindo também – sem nem pensar nisto, mas é o resíduo estruturado, constituir-se em um marco: candomblé, religião africana no Brasil, já tem um nítido parâmetro cultural/social: antes e depois de Mãe Stella” (CAMPOS, 2000).
Em suma, foi através de Mãe Stella de Oxossi que o candomblé se tornou uma religião respeitada e adaptada à realidade do País. Ela tornou possível uma síntese entre cultos, crenças e ritos, oriundos de diversas etnias africanas, e colocou em evidência a importante tradição dos antepassados na vida das pessoas. Por meio de sua força, ternura, carisma e competência, a ialorixá sedimentou a religião dos afro-descendentes, defendendo a concepção de que os negros precisam ser considerados elementos relevantes da sociedade brasileira, assim como agentes ativos, de uma história que está, permanentemente, em processo de edificação.
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