Motumbá meus irmãos(ãs), amigos(as) e seguidores(as) de nosso BLOG OLHOS DE OXALÁ. Bom dia!
Hoje damos início a mais uma COLETÂNEA que de acordo com o TEMA CENTRAL, focado em OXUM, ORIXÁ DAS ÁGUAS DOCES. Adentramos no vasto mundo realista das mulheres e seu poder na SOCIEDADE, RELIGIOSIDADE e até na FAMÍLIA.
Desejo de coração aberto que esta nova COLETÂNEA intitulada como OXUM E O PODER FEMININO, possa de fato fazer o nosso conhecimento se abrir adequadamente à esta realidade do mundo feminino que visa de forma clara e objetiva mostrar seu PODER no mundo de hoje.
Introdução
O feminino no poder. Esse fato provoca estranhamento em nossos dias. Imaginem nos séculos XVIII e XIX, quando mulheres negras surgem na Bahia como sacerdotisas centrais dos templos de uma expressão religioso denominada Candomblé. Para explicar esse fato, procuro iluminar a trajetória da mulher negra África-Brasil, mostrando suas relações sócio-culturais-econômicas.
Palavras-chave: Mulher Negra, Candomblé, Escravidão.
Em todas as sociedades conhecidas é o homem que detém o poder religioso. É ele quem faz a mediação entre os "outros" e os deuses. Em outras palavras, somente alguns homens, de uma determinada sociedade, têm o poder de conversar e ouvir as vozes divinas.
Assim, torna-se possível imaginar a abrangência do fascínio, a dimensão da surpresa e o próprio estranhamento, no dizer antropológico, do encontro de uma religião em que no lugar do masculino está o feminino.
Tanto os estudiosos das religiões, quanto as pessoas anônimas ficam surpresas quando se deparam com a mulher ocupando o ápice da hierarquia religiosa. No entanto, essa expressão religiosa está viva e faz parte da cultura brasileira. A maioria de seus elementos veio com os africanos para o Brasil.
2. O poder feminino: suas origens
Não obstante, na África é o homem quem detém o poder religioso. Para explicar essa troca de poder religioso entre os sexos torna-se importante reconstruir o cotidiano da mulher negra. Ainda na África, Pierre Verger, ao remontar à importância da feira, especialmente para os iorubás, mostrava a presença das mulheres como grandes negociantes, sendo que no mercado, comparadas aos homens, elas são maioria.
A atividade de troca que ocorre nas feiras parece ser de importância inconteste para as mulheres iorubás, pois elas se submetem à separação de suas famílias: quando jovens, deixam seus lares para ir comerciar em mercados distantes; quando idosas, mandam suas filhas para as feiras importantes e permanecem próximo a suas casas com seus tabuleiros, ou, então, abrem pequenas vendas.
Evidencia-se que essas trocas realizadas nas feiras tanto podem ser para a subsistência como para alguma acumulação. Neste último caso, é importante sublinhar, a mulher não está trabalhando para o seu cônjuge. Ela compra a colheita do marido, a revende na feira e fica com o lucro. Nessa perspectiva, pode-se avaliar a autonomia da mulher iorubá: deixa a própria família, se embrenha em caminhos distantes para chegar às feiras; compra a produção de seu próprio marido, revende e permanece com o lucro; é, enfim, uma ótima comerciante.
Mas a sua importância parece ser mais abrangente à medida que se visualiza a feira não somente como a complementaridade econômica, ela é o locus privilegiado de outras trocas além de bens materiais. Nas feiras trocam-se também bens simbólicos: notícias, modas, receitas, músicas, danças.
Estreitam-se relações sociais. Ali são realizadas alianças importantes; ali também ocorrem os namoros, acertam-se casamentos. Percebe-se, assim, que o papel da mulher iorubá vai além do desempenhado nas atividades econômicas. Ela é mediadora não só das trocas de bens econômicos, como também das de bens simbólicos.
O lugar social ocupado pela mulher iorubá, sem sombra de dúvidas, possibilita-lhe o exercício de um poder fundamental para a vida africana. Nesse momento, movo o meu foco de análise para a família. É Verger quem destaca o papel da mulher, ao informar que (...) Na organização da família iorubá, que é polígama, contrariamente ao conceito que pessoas mal informadas fazem, as mulheres usufruem uma maior liberdade que a que se dá nas uniões monogâmicas.
Na grande casa familiar do esposo, elas são aceitas como progenitoras dos filhos, destinadas a perpetuar a linhagem familiar do marido. Mas elas nunca aí são totalmente integradas, deixando-lhes esse fato uma certa independência. Após o casamento, elas continuam a praticar o culto de suas famílias de origem, embora seus filhos sejam consagrados ao deus do cônjuge (Verger, 1986: 275).
Apesar de os dados contidos na afirmação de Verger atestarem a patrilinearidade em relação ao poder religioso (os filhos são consagrados ao deus do cônjuge), a mulher, ao praticar o culto de sua família de origem, está vinculada ao deus paterno; portanto, guarda uma certa autonomia em relação a seu marido.
Se, para algumas interpretações, o casamento de um homem com várias mulheres indica a submissão feminina, pode-se interpretar esse fato preliminarmente como Verger, ao mostrar que a dominação masculina dilui-se entre as várias mulheres. Essa versão, aliada ao dado das "mulheres no mercado", das "ótimas comerciantes" que conseguem amealhar fortunas consideráveis - o que as torna, muitas vezes, mais ricas que seus próprios maridos (mesmo porque é da competência masculina a subsistência das mulheres e filhos) - faz com que a versão vergeriana sobre a poliginia e a autonomia feminina ganhe muito mais sentido.
Ainda na África, outras situações vividas pela mulher merecem destaque: "Na organização dos reinos fons e nagô-iorubá, as mulheres desempenharam um papel ativo, eram elas quem administravam o palácio real, assumindo os postos de comando mais importantes, além de fiscalizarem o funcionamento do Estado" (Silveira, 2000: 88).
Destaca-se, também, que os daomeanos eram guerreiros terríveis, mas, sobretudo, que mantinham uma tropa feminina de elite que amedrontava de longe o inimigo. No século XVIII, as feiras e mercados iorubás isolados se articulavam em uma grande rede, ao mesmo tempo em que ocorria o processo de urbanização das cidades. Data dessa mesma época a fundação de duas associações femininas importantes: as sociedades Ialodê e Gueledé.
A Ialodê era uma associação feminina cujo nome significa "senhora encarregada dos negócios públicos". Sua dirigente tivera lugar no conselho supremo dos chefes urbanos e era considerada uma alta funcionária do Estado, responsável pelas questões femininas, representando, especialmente, os interesses das comerciantes. Enquanto a Ialodê se encarregava da troca de bens materiais, a sociedade Gueledé era uma associação mais próxima da troca de bens simbólicos. Sua visibilidade advinha dos rituais de propiciação à fecundidade, à fertilidade; aspectos importantes do poder especificamente feminino.
É interessante notar que essas duas associações femininas estão diretamente referidas às atividades desenvolvidas pelas mulheres nas feiras. Mais precisamente à mulher do mercado, a mediadora da troca, tanto de bens materiais quanto de bens simbólicos que vieram dar origem respectivamente a Ialodê e a Gueledé. Percebe-se, assim, que a mulher iorubá além de deter o saber de usar a autonomia que a própria família poligínica lhe possibilitou, tornou-se a mediadora de bens materiais e simbólicos; e foi, ainda no século XVIII, fundadora de associações femininas importantes.
Essa volta ao passado africano não tem a pretensão de filiar este estudo às correntes afro-centristas. Esse retorno possibilita simplesmente alcançar uma profundidade histórica à medida que a África é percebida como fonte. Na realidade, o foco de minha análise central na diáspora. Movimento esse pensado, anteriormente, como de mão única, uma vez que o significado da escravidão que emerge, no primeiro momento, era o de uma viagem sem volta, com o massacre, com o desmonte da diversidade cultural africana que aportava no Brasil com seus agentes.
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